O ABUTRE
(HUMBERTO DE CAMPOS)
ERA UM ABUTRE QUE ME DAVA GRANDES BICADAS NOS PÉS. Já havia
dilacerado sapatos e meias, e as bicadas iam penetrando na minha carne. De vez
em quando, agitado, o abutre esvoaçava em volta de mim e logo retomava sua
faina.
Um homem passava pelo
local e ficou observando a cena por alguns momentos: em seguida me perguntou
como podia eu suportar aquele abutre.
Acontece que estou sem
defesa – respondi – Ele apareceu e me atacou. Claro que tentei lutar, tentei
mesmo estrangula – lo,mas o bicho é muito forte, um bicho desse quilate! Ele ia
ate mesmo me atacando o rosto, por isso achei melhor sacrificar meus pés. Como
pode ver, meus pés estão quase em frangalhos.
- Mas como pode se deixar
torturar dessa maneira! – disse o homem.
- Bastaria um tiro e
pronto!
- Acha mesmo? – disse eu
– O senhor gostaria de disparar um tiro?
- Claro – disse o homem –
É só ir ate a minha casa e apanhar a espingarda. Consegue agüentar ai mais meia
hora?
- Não sei lhe responder –
falei.
Mas ao sentir uma dor
lancinante, acrescentei:
- De qualquer maneira, vá
logo, estou lhe pedindo.
- Bem - disse o homem. –
Vou o mais rápido possível.
O abutre escutara a
conversa tranquilamente. Vi que entendera tudo. Ele ergueu – se em um bater de
assas e em seguida, empinando-se para ganhar equilíbrio, como um lançador de
dardos, enfiou – me o bico boca a dentro ate o mais profundo do meu ser. Ao
cair, com que alivio senti que o abutre se engolfava impiedosamente nos abismos
infinitos do meu sangue.
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